No texto redigido por Aby Warburg no ano de 1912, sobre A arte italiana e a astrologia internacional no Palazzo Schifanoia em Ferrara, o nome de Simonetta Vespucci foi mais uma vez mencionado. “Simonetta Vespucci — cuja memória ambas as pinturas cultuavam, em minha opinião — faleceu, aliás, em 26 de abril de 1476” (Warburg, 2015a, p. 125). Seu nome é entoado, em virtude do almanaque de Baldini, cuja primeira versão tem datação aproximada do ano de 1465. Segundo o historiador da arte, Sandro Botticelli teria, em sua juventude, trabalhado nas gravuras em cobre do mencionado almanaque, onde já seriam perceptíveis seu universo de ideias sobre a Antiguidade.

Ao tecer comparações entre as gravuras da folha planetária sobre o planeta Vênus — a primeira datada de 1465 e a outra executada alguns anos depois —, Warburg se dedica à análise das transformações estilísticas do início do Renascimento florentino. Nas imagens, ele compara a representação de uma jovem mulher trajando vestes no estilo burgúndio, apresentada em meio à sociedade de Vênus. Em ambas as gravuras, ela alegremente dança com um jovem rapaz. Contudo, na primeira versão, é perceptível em seu penteado um acessório: um hennin francês com guimpe. Já na segunda versão da gravura, o acessório se metamorfoseia. A chamada “lagarta burgúndia”, que antes se encontrava recolhida no adorno capilar, ganha belas asas. Transforma-se em borboleta. “A lagarta burgúndia, antes toda recolhida em seu casulo, aí aparece transformada na borboleta florentina, a ‘ninfa’ com seu penteado renovado e o traje flutuante, próprios às mênades gregas ou à Vitória romana” (Warburg, 2015a, p. 126).

A figura dançante da gravura é nomeada de ninfa, e seus leves e movimentados trajes a colocam em relação com as mênades e com Vitória. A deusa da beleza, Vênus, é também a deusa planetária que rege o mês de abril — mês no qual, como bem nos lembra Warburg, morreu a bela Simonetta Vespucci. Esposa de Marco Vespucci e por quem Giuliano de Médici teria sido apaixonado — e muito provavelmente Sandro Botticelli também. Já que ele teria pintado os traços de seu rosto nas obras O Nascimento de Vênus e A Primavera. Cabe ainda ressaltar que Botticelli foi enterrado logo abaixo da cripta da moça, na Chiesa di San Salvatore in Ognissanti, em Florença.

Simonetta Vespucci aparece em outros textos redigidos por Warburg. Na tese doutoral O nascimento de Vênus e a Primavera de Sandro Botticelli – de 1893, num curto texto de 1898 intitulado de Sandro Botticelli e noutro que versa sobre A arte do retrato e burguesia florentina – de 1902.

Na tese, ele a denomina de ninfa Simonetta e a descreve como bela mulher sobre a qual Poliziano teria dedicado alguns versos em Giostra. Warburg relata que a jovem tivera sua vida abreviada pela tuberculose. No dia 26 de abril, teria então falecido com 23 anos de idade. No anexo III da tese, intitulado A motivação externa dos quadros: Botticelli e Leonardo, ele afirma que no quadro O Nascimento de Vênus “a deusa da primavera”, no “Reino de Vênus”, corresponde à Simonetta Vespucci” (Warburg, 2015a, p.75).

Outras figuras femininas também foram denominadas ninfas pelo historiador da arte hamburguês. Como Giovanna Tornabuoni, sobre quem ele também escreve em sua tese e no texto dedicado aos retratos florentinos, de 1902. A jovem, que também teria vivido na Florença do quattrocento, morreu ainda muito jovem, durante o parto, aos 20 anos de idade.

No entanto, a mais conhecida ninfa de Warburg foi aquela pintada por Domenico Ghirlandaio na igreja florentina de Santa Maria Novella. Sobre essa impetuosa donzela, ele e o linguista André Jolles dedicaram o texto – uma correspondência fictícia – intitulado A Ninfa Florentina, redigido entre 1900 e 1901. Na primeira epístola, André Jolles escreveu: “Persigo-a ou é ela que persegue a mim? Em boa verdade, já não sei!” (Jolles, 2015, p. 9). Na cena de O nascimento de São João Batista, a figura feminina caminha apressada com um cesto de frutas sobre a cabeça; ela veste uma túnica branca repleta de drapeados e calça sandálias à moda antiga. Como bem observa Warburg na segunda epístola da correspondência, a donzela de pés ligeiros figura diante de um sepulcro faustoso. Na mesma parede, embora em cena distinta, Giovanna Tornabuoni também é representada: Ghirlandaio pinta seu retrato na cena da Visitação, pertencente ao mesmo ciclo de afrescos.

No Bilderatlas Mnemosyne, o historiador da arte retoma a figura da ninfa em diversas pranchas, como a 77 e a 46. No entanto, gostaria de encerrar este breve texto comentando a prancha de número 39. Nela, os dois célebres quadros de Sandro Botticelli ocupam lugar de destaque. Entre as 23 imagens que a compõem a prancha negra, encontram-se também as páginas dedicadas ao planeta Vênus nas duas primeiras edições do Almanaque Baldini. Entre Dafne, Vênus, Ártemis, Choe e Palas Atena, vemos surgir a criatura fugidia e dançante do planeta de Vênus. A ninfa dançante com seu drapeado vestido e as madeixas penteadas e adornadas com duas borboletas.

A ninfa, tal qual Simonetta Vespucci, parece configurar uma espécie de obsessão de Aby Warburg. Uma figura que vai e volta, não cessa de aparecer e reaparecer nos seus textos e as imagens por ele pesquisadas. São uma espécie de fantasma que conjugam beleza, movimento, transformação e morte. Gosto de pensá-la como grande heroína do Nachleben. Das coisas que vem de longe, mas são incapazes de morrer por completo. Fugidias como borboletas, distante como os planetas e as estrelas, são ninfas. Perseguimos e somos perseguidos por elas.

Daniela Queiroz Campos

Universidade Federal de Santa Catarina

30 de julho de 2025 

WARBURG, Aby. Atlas Mnemosyne. Madrid: AKAL, 2010.

_______________ . História de Fantasmas para gente grande. São Paulo: Companhia das Letas, 2015a.

_______________ . Domenico Ghirlandaio. Lisboa: KKYM, 2015b.

JOLLES, André. A Ninfa florentina In : WARBURG, Aby. Domenico Ghirlandaio. Lisboa: KKYM, 2015b.