Aby Warburg

Aby Warburg: Uma Breve Apresentação

Aby Warburg: A Brief Presentation

Fora do restrito círculo de estudiosos da arte e da cultura do Renascimento, Aby Warburg (1866-1929), ao longo do século XX, ficou mais conhecido como criador de uma biblioteca pessoal transformada em instituto de pesquisa do que propriamente pelo teor de seus escritos. Por certo, sua biblioteca, sediada originalmente em Hamburgo e transferida para Londres depois da ascensão nazista na Alemanha, simbolizou o interesse que percorreu seu inteiro trajeto de estudioso. O Instituto Warburg para a Ciência da Cultura, ligado à Universidade de Londres, reúne um vasto material sobre a vida póstuma da Antiguidade, ou seja, a influência da cultura antiga sobre os séculos posteriores e seu papel na formação da Europa moderna.

O tema de sua biblioteca paraleliza-se com o tema de sua obra. Porém, a obra de Warburg não se constituiu como um corpus organizado em forma de livros ou de conjuntos de textos sistematizados pelo próprio autor. Ao contrário, Warburg jamais escreveu um livro, jamais obteve uma cátedra acadêmica, jamais tratou de delimitar de próprio punho o que desejava fosse publicado do vasto material composto por escritos curtos, conferências, cartas ou cursos ministrados como convidado na Universidade de Hamburgo. Os livros que se constituíram dos escritos de Warburg foram produto do interesse e da sistematização de outrem. Ele próprio editou apenas de modo fragmentário parte de sua produção textual, em revistas científicas, em publicações da própria Biblioteca Warburg ou como pequenos volumes separados. Mesmo assim, grande parte de seus escritos permaneceu inédita até o final de sua vida. Os escritos de Warburg conheceram uma primeira sistematização, produto de um projeto editorial, no início da década de 1930, pelo esforço de Gertrud Bing, que, ao lado de Fritz Saxl, dirigia a biblioteca ainda em Hamburgo.

Outside the restricted circle of scholars of Renaissance art and culture, Aby Warburg (1866-1929), throughout the 20th century, became better known as the creator of a personal library transformed into a research institute than for the content of his writings. . Of course, his library, originally based in Hamburg and transferred to London after the Nazi rise in Germany, symbolized the interest that ran through his entire scholarly career. The Warburg Institute for the Science of Culture, linked to the University of London, brings together a vast amount of material on posthumous life in antiquity, that is, the influence of ancient culture on subsequent centuries and its role in the formation of modern Europe.

The theme of your library parallels the theme of your work. However, Warburg's work was not constituted as a corpus organized in the form of books or sets of texts systematized by the author himself. On the contrary, Warburg never wrote a book, never obtained an academic chair, never tried to delimit in his own hand what he wanted to be published from the vast material composed of short writings, lectures, letters or courses given as a guest at the University of Hamburg. The books that constituted Warburg's writings were the product of someone else's interest and systematization. He himself edited only in a fragmentary way part of his textual production, in scientific journals, in publications of the Warburg Library itself or as small separate volumes. Even so, most of his writings remained unpublished until the end of his life. Warburg's writings underwent a first systematization, the product of an editorial project in the early 1930s, through the efforts of Gertrud Bing, who, together with Fritz Saxl, ran the library while still in Hamburg.

The Kulturwissenschaftliche Bibliothek Warburg - Warburg-Haus

A Biblioteca Warburg para a Ciência da Cultura - Casa Warburg | The Warburg Library for the Science of Culture - Warburg House

Ambos haviam trabalhado ao lado de Warburg e também durante o interregno de sua ausência, entre 1918 e 1923, em que passou em tratamento na clínica psiquiátrica de Kreuzlingen, na Suíça. Do trabalho de organização de Gertrud Bing surgiu em 1932, pela editora alemã Teubner, a Gesammelte Schriften, que deveria constituir apenas a primeira parte do projeto de edição do legado textual de Warburg. Esse projeto, porém, delineado brevemente por Fritz Saxl na edição original, jamais seria levado a cabo. O livro de 1932 tornou-se, ao longo do século XX, a edição canônica dos escritos de Aby Warburg, sendo desde então reimpresso em língua alemã ou traduzido para outros idiomas. Esse livro ganhou em 2013, sua primeira edição brasileira, pela Editora Contraponto, do Rio de Janeiro, sob o título "A renovação da Antiguidade Pagã: contribuições científico-culturais para a história do Renascimento europeu", com tradução de Markus Hediger. Antes disso, o que se conhecia de Warburg em língua portuguesa era apenas a sua tese de 1893, publicada em Portugal, em 2012, O nascimento de Vênus e a Primavera de Sandro Botticelli, pela Editora KKYM, de Lisboa. A edição brasileira do livro canônico de Warburg tem o mérito de trazer, além do prefácio da edição de 1932, de autoria de Gertrud Bing, também o prefácio da edição de estudos de 1998, assinado em conjunto por Horst Bredekamp e Michael Diers. O prefácio de 1998 nos ajuda a compreender o contexto de surgimento do livro de 1932, numa perspectiva da história da fortuna da obra de Warburg, bem como aponta alguns aspectos que determinaram a interrupção do projeto editorial de sua obra. Aby Warburg provinha de uma família judia de banqueiros de Hamburgo. Após uma incursão juvenil no estudo da medicina, voltou seus interesses aos temas estéticos e culturais, ingressando na Universidade de Bonn em 1886.

Em Bonn, assistiu às aulas do historiador da cultura Carl Justi e do estudioso do mito e das religiões gregas antigas Hermann Usener, concentrando-se, já nos primeiros anos de estudo, na ideia de corrigir, sob um fundamento histórico-cultural, a concepção de Winckelmann a respeito da serenidade olímpica da Antiguidade. Esse ideal, formulado na juventude, transformar--se-ia numa espécie de obsessão, que, em certo modo, o acompanharia até o final de suas forças. Uma primeira viagem a Florença, em 1888, possibilita-lhe o encontro com o historiador da arte August Schmarsow, que, naquele momento, tentava formar, na cidade dos Medici, um instituto alemão de história da arte. Warburg permance em Florença por seis meses. Poucos anos depois, Schmarsow veria criado o Kunsthistorisches Institut in Florenz. De Florença, Warburg sairia com a ideia da futura tese, defendida não em Bonn, mas em Estrasburgo, sob orientação de Hubert Janitschek, estudioso do Renascimento, organizador da edição do De pictura de Leon Battista Alberti. A tese de Warburg, editada em 1893, trataria das pinturas mitológicas de Sandro Botticelli, na perspectiva da leitura, por parte do humanismo florentino do ambiente de Lorenzo de’ Medici, da tradição homérica pela via da transmutação latina realizada por Ovídio.

Era uma compreensão do diálogo entre palavra e imagem no seio do humanismo florentino dos anos 1480, somada a uma perspectiva histórico-artística que perseguia a relação entre artista, comitente e conselheiro erudito. Warburg defendia, na tese, que as pinturas de Botticelli, O nascimento de Vênus e a Primavera, surgiram da encomenda de Lorenzo de’ Medici e sob a base iconográfica formulada pelo literato e professor de Ovídio na Academia Platônica de Florença, Angelo Poliziano. Poliziano, então, seria o mediador da relação entre Botticelli e Ovídio nas pinturas, que teriam sido executadas justamente para ornar o salão de debates da referida academia. A tese de Warburg aparece como primeiro capítulo em A renovação da Antiguidade pagã. Na tese sobre Botticelli, Aby Warburg apresentava já o interesse pelo processo constitutivo das obras de arte e, ao mesmo tempo, sua disposição de seguir o caminho das transmissões do legado antigo no limiar da era moderna.

Both had worked alongside Warburg and also during the period of his absence, between 1918 and 1923, when he was undergoing treatment at the psychiatric clinic in Kreuzlingen, Switzerland. From the organizational work of Gertrud Bing emerged in 1932, by the German publisher Teubner, Gesammelte Schriften, which should have constituted only the first part of the project to edit Warburg's textual legacy. This project, however, outlined briefly by Fritz Saxl in the original edition, would never be carried out. The 1932 book became, throughout the 20th century, the canonical edition of Aby Warburg's writings, and has since been reprinted in German or translated into other languages. This book won its first Brazilian edition in 2013, by Editora Contraponto, from Rio de Janeiro, under the title "The renewal of Pagan Antiquity: scientific-cultural contributions to the history of the European Renaissance", translated by Markus Hediger. Before that, what was known about Warburg in the Portuguese language was only his 1893 thesis, published in Portugal, in 2012, O Nascimento de Vênus ea Primavera by Sandro Botticelli, by Editora KKYM, in Lisbon. The Brazilian edition of Warburg's canonical book has the merit of bringing, in addition to the preface to the 1932 edition, by Gertrud Bing, also the preface to the 1998 edition of studies, signed jointly by Horst Bredekamp and Michael Diers. The 1998 preface helps us to understand the context of the emergence of the 1932 book, from a perspective of the history of the fortune of Warburg's work, as well as pointing out some aspects that determined the interruption of the editorial project of his work. Aby Warburg came from a Jewish family of Hamburg bankers. After a youthful foray into the study of medicine, he turned his interests to aesthetic and cultural themes, entering the University of Bonn in 1886.

In Bonn, he attended classes by the cultural historian Carl Justi and the scholar of myth and ancient Greek religions Hermann Usener, concentrating, in his early years of study, on the idea of ​​correcting, on a historical-cultural basis, the conception of Winckelmann on the Olympic serenity of Antiquity. This ideal, formulated in his youth, would become a kind of obsession, which, in a certain way, would accompany him until the end of his strength. A first trip to Florence, in 1888, enabled him to meet the art historian August Schmarsow, who, at that time, was trying to form, in the town of the Medici, a German institute of art history. Warburg stays in Florence for six months. A few years later, Schmarsow would see the Kunsthistorisches Institut in Florenz created. From Florence, Warburg would come out with the idea of ​​the future thesis, defended not in Bonn but in Strasbourg, under the guidance of Hubert Janitschek, a Renaissance scholar, organizer of the edition of De pictura by Leon Battista Alberti. Warburg's thesis, published in 1893, would deal with the mythological paintings of Sandro Botticelli, from the perspective of reading, from the Florentine humanism of Lorenzo de' Medici's environment, from the Homeric tradition through the Latin transmutation carried out by Ovídio.

It was an understanding of the dialogue between word and image within the Florentine humanism of the 1480s, added to a historical-artistic perspective that pursued the relationship between artist, principal and scholarly advisor. Warburg argued, in his thesis, that Botticelli's paintings, The Birth of Venus and Spring, were commissioned by Lorenzo de' Medici and under the iconographic basis formulated by the literate and professor of Ovid at the Platonic Academy in Florence, Angelo Poliziano. Poliziano, then, would be the mediator of the relationship between Botticelli and Ovídio in the paintings, which would have been executed precisely to decorate the academy's debate room. Warburg's thesis appears as the first chapter in The Renewal of Pagan Antiquity. In his thesis on Botticelli, Aby Warburg already showed his interest in the constitutive process of works of art and, at the same time, his willingness to follow the path of transmissions of the ancient legacy on the threshold of the modern era.

E tudo isso é realizado num estudo de caso, analisando dois quadros para compreender, de modo individualizado, um problema histórico que certamente não se apresentava isoladamente, mas, ao contrário, indicava um edifício maior. Decerto, seu aprendizado em Bonn, com Carl Justi, teria contribuído para a elaboração de uma perspectiva microscópica. Justi havia aprendido com seu antecessor e mestre, Anton Springer (1825-1891), como abordar amplos problemas históricos focados em personagens individuais. Springer é o criador de um gênero historiográfico, muito empregado no âmbito dos estudos culturais e artísticos, que ficou conhecido como Monographie. Carl Justi transformou-se no mestre do gênero monográfico, autor de monografias sobre Michelangelo, Velazquez e Winckelmann. Mas Warburg estivera também em Estrasburgo e, sob orientação de Janitschek, autor do livro Die Gesellschaft der Renaissance und die Kunst in Italien (A sociedade do Renascimento e a arte na Itália), aproximara-se da perspectiva da história social da arte. Esse aprendizado estava presente na tese de 1893, no movimento de ampliação da interpretação da arte florentina do Quattrocento do âmbito propriamente do artista em direção às etapas do processo criativo, que incluía, em primeira escala, as figuras do comitente e do idealizador erudito. Era um modo muito concreto de compreender a arte no âmbito da cultura do Renascimento.

O termo cultura do Renascimento, entretanto, remetia Warburg a um estudioso cujo nome é já uma referência ao tema e de quem Warburg afirmaria, logo depois, ser um seu continuador. Tratava-se de Jacob Burckhardt, a quem Warburg enviou a tese sobre Botticelli e recebeu de volta uma carta com as seguintes palavras: “com o seu escrito o senhor fez cumprir um passo adiante no conhecimento do medium social, poético e humanístico no qual Sandro [Botticelli] vivia e pintava”. Burckhardt concedera a Warburg, de fato, o tema da cultura do Renascimento sob uma perspectiva de movimento e inter--relações culturais que o estudioso de Hamburgo aprofundará ao longo de seus estudos. O livro de Warburg é organizado em seções que, por sua vez, são compostas por textos de várias fases de sua vida, revelando que o autor lidou com alguns temas mais gerais, revisitando-os ao longo de sua trajetória. Algumas dessas seções temáticas são inteiramente ligadas a caminhos trilhados por Jacob Burckhardt. O mais claro exemplo é a primeira seção, “A Antiguidade na cultura burguesa florentina”, da qual faz parte a tese sobre Botticelli, seção facilmente referível ao centro do estudo de Burckhardt contido em seu livro mais conhecido, A cultura do Renascimento na Itália, de 1860. Além disso, é importante citar o texto warburguiano de 1902, “A Arte do retrato e a burguesia florentina”, que se anuncia, já na “Nota preliminar”, como continuação ao livro de Burckhardt sobre o tema, recentemente editado no Brasil: O retrato na pintura italiana do Renascimento. Warburg se utiliza de um único afresco, pintado por Domenico Ghirlandaio na Capela Sassetti, na igreja florentina de Santa Trinità, para compreender o problema da relação entre cristianismo medieval e paganismo antigo na Florença da segunda metade do século XV. A abordagem de Warburg colocava, de novo, no centro a relação entre comitente e artista, nesse caso, entre o retratista, Ghirlandaio, e o retratado, Francesco Sassetti, que representa o figura do burguês laico e culto do primeiro Renascimento florentino. Sassetti é o banqueiro, assolado cotidianamente pelo pecado da usura, que manda pintar sua capela fúnebre em homenagem a São Francisco, santo que simboliza o despojamento dos bens materiais e exalta a pobreza como redenção. Entretanto, seria interessante nos voltarmos a outras duas seções do livro de Warburg, com o intuito de compreender o quanto foi-lhe importante o ensinamento de Burckhardt.

A primeira delas intitulou-se “O intercâmbio entre as culturas florentina e flamenga”. Dois acontecimentos editoriais marcaram o encontro de Warburg com o tema das relações culturais entre Florença e Flandres no Quattrocento. O primeiro foi a edição póstuma de parte dos últimos escritos de Burckhardt sobre a arte italiana do Renascimento, em 1898, as Beiträg zur Kunstgeschichte von Italien (Contribuições à história da arte na Itália), que conteve três ensaios “O retrato na pintura”, “O retábulo de altar” e “Os colecionadores”. Uma das linhas interpretativas que atravessavam esses textos de Burckhardt era a importância da pintura flamenga para a formação do gosto artístico de uma classe de mercadores florentinos encomendantes das obras artes e, consequentemente, seu papel da execução da pintura em Florença. O outro acontecimento editorial importante para Warburg, nesse momento, foi o aparecimento, em 1888, do livro de Eugène Müntz sobre as coleções dos Medici no século XV, Les collections des Médicis au quinzième siècle, que também tinham sido de grande valia para os citados estudos de Burckhardt. O estudo do inventário dos Medici permitia compreender um progressivo interesse, em Florença, pela pintura de cavalete, sobre tela ou sobre madeira, em comparação com a tradicional pintura a fresco.

And all of this is carried out in a case study, analyzing two tables to understand, in an individual way, a historical problem that certainly did not present itself in isolation, but, on the contrary, indicated a larger building. Certainly, his apprenticeship in Bonn, with Carl Justi, would have contributed to the elaboration of a microscopic perspective. Justi had learned from his predecessor and teacher, Anton Springer (1825-1891), how to approach broad historical problems focused on individual characters. Springer is the creator of a historiographical genre, widely used in cultural and artistic studies, which became known as Monographie. Carl Justi became the master of the monographic genre, author of monographs on Michelangelo, Velazquez and Winckelmann. But Warburg had also been to Strasbourg and, under the guidance of Janitschek, author of the book Die Gesellschaft der Renaissance und die Kunst in Italien (The Renaissance Society and Art in Italy), had approached the perspective of the social history of art. This learning was present in the 1893 thesis, in the movement to expand the interpretation of Florentine art in the Quattrocento from the scope of the artist to the stages of the creative process, which included, in a first scale, the figures of the principal and the erudite idealizer. It was a very concrete way of understanding art in the context of Renaissance culture.

The term Renaissance culture, however, referred Warburg to a scholar whose name is already a reference to the subject and of whom Warburg would claim, soon after, to be a follower of it. It was Jacob Burckhardt, to whom Warburg sent his thesis on Botticelli and received a letter in return with the following words: “with your writing you took a step forward in the knowledge of the social, poetic and humanistic medium in which Sandro [Botticelli] lived and painted”. Burckhardt had indeed given Warburg the theme of Renaissance culture from a perspective of movement and cultural interrelationships that the Hamburg scholar will deepen throughout his studies. Warburg's book is organized into sections that, in turn, are composed of texts from various phases of his life, revealing that the author dealt with some more general themes, revisiting them throughout his trajectory. Some of these thematic sections are entirely linked to paths taken by Jacob Burckhardt. The clearest example is the first section, “Antiquity in Florentine Bourgeois Culture”, of which the thesis on Botticelli is a part, a section easily referring to the center of Burckhardt's study contained in his best-known book, The Culture of the Renaissance in Italy, from 1860. Furthermore, it is important to cite the Warburgian text of 1902, “The art of portrait and the Florentine bourgeoisie”, which is announced, already in the “Preliminary note”, as a continuation to Burckhardt's book on the subject, recently published in the Brazil: The portrait in Italian Renaissance painting. Warburg uses a single fresco, painted by Domenico Ghirlandaio in the Sassetti Chapel, in the Florentine church of Santa Trinità, to understand the problem of the relationship between medieval Christianity and ancient paganism in Florence in the second half of the 15th century. Warburg's approach placed, once again, at the center the relationship between principal and artist, in this case, between the portraitist, Ghirlandaio, and the subject, Francesco Sassetti, who represents the figure of the secular and cult bourgeois of the first Florentine Renaissance. Sassetti is the banker, daily plagued by the sin of usury, who has his funeral chapel painted in honor of Saint Francis, a saint who symbolizes the dispossession of material goods and exalts poverty as redemption. However, it would be interesting to turn to two other sections of Warburg's book, in order to understand how important Burckhardt's teaching was to him.

The first one was entitled “The exchange between Florentine and Flemish cultures”. Two editorial events marked Warburg's encounter with the theme of cultural relations between Florence and Flanders in the Quattrocento. The first was the posthumous edition of part of Burckhardt's later writings on Italian Renaissance art in 1898, such as Beiträg zur Kunstgeschichte von Italien (Contributions to the history of art in Italy), which contains three essays “The portrait in painting”. “The altarpiece” and “The collectors”. One of the interpretive lines that ran through these texts by Burckhardt was the importance of Flemish painting in shaping the artistic taste of a class of Florentine merchants ordering works of art and, consequently, its role in the execution of painting in Florence. The other important editorial event for Warburg at this time was the appearance, in 1888, of Eugène Müntz's book on the 15th century Medici's fez collections, Les collection des Médicis au quinzième siècle, which had also been of great value to the cited studies by Burckhardt. The study of the Medici's inventory allows us to understand a progressive interest in Florence in easel painting, on canvas or on wood, in comparison with traditional fresco painting.

Com esse processo, era possível perceber a importância da arte flamenga no ambiente dos Medici, e não apenas do ponto de vista da pintura, mas também da tapeçaria. A partir do livro de Müntz, era possível concluir que os flamengos tinham condicionado o desenvolvimento do primeiro colecionismo italiano, em especial, pela capacidade realística da pintura a óleo desenvolvida em Flandres, mas também pela facilidade de circulação dos tecidos, dos tapetes e dos quadros flamengos de pequenas dimensões, fato que antecede a circulação dos próprios artistas nórdicos na Itália. Desse modo, os inventários das coleções dos Medici confirmavam a importância da ligação entre a tarefa ditada pelo colecionador e o conteúdo de uma obra. Warburg, então, dedica-se a ampliar e aprofundar as indicações a esse respeito, presentes nos textos de Burckhardt, com estudos de casos entre os anos de 1899 e 1907. Toda a seção do livro trata desse tema, refletindo, uma vez mais, o interesse de Warburg em compreender as imagens como símbolos de circulações, de migrações de homens e de ideias, seu esforço em perfazer os caminhos das conexões, dos encontros entre elementos distintos, sua determinação em entender a fronteira como o próprio terreno da história.

Além disso, encantava-lhe o fascínio do mundo refinado toscano pelos meios de expressar o vivo, trazidos à luz pela arte flamenga. Para Warburg, essa pintura é um exemplo emblemático da compreensão espontânea demonstrada pela burguesia toscana em direção à arte nórdica, resultado da mescla de elementos humanos que se atraem por seu contrário. A outra seção que demonstra quão perene foi o influxo de Burckhardt sobre a obra de Warburg é aquela relativa ao tema da “Antiguidade e o presente na vida festiva do Renascimento”. Burckhardt tinha intitulado a parte 5 de A cultura do Renascimento na Itália de “A sociabilidade e as festividades”, entrelaçando o esplendor artístico nas cidades da Itália renascentista às festividades em sua formulação mais elevada, como um movimento superior da vida do povo, momento no qual seus ideais religiosos, morais e poéticos assumem uma forma visível. Warburg, por sua vez, buscou conceber a expressão humana na obra de arte figurativa como imagem da vida prática em movimento, tanto para o caso do culto religioso, quanto para aquele do drama da cultura por meio da festividade ou do palco cênico.

A festa era, portanto, não apenas o momento de apresentação da expressividade artística, com todo o aparato que compõe a arquitetura decorada, mas sobretudo o palco da encenação da existência, quase uma transição da vida para a arte. Os cortejos e as encenações festivas eram, para Warburg, ocasiões para contemplar a vida social, bem como para interpretar o aparato artístico de que eram compostos. Esse aparato, em sua concretude, revelava-se, então, documento do significado histórico da Antiguidade clássica para os homens dos séculos XV e XVI na Itália, bem como no mundo nórdico, indicando ainda as ligações entre esses dois universos culturais. Exatamente a busca de diálogo entre norte e sul dos Alpes havia movido Warburg a idealizar sua biblioteca particular. Sua intenção era reunir um acervo de livros e documentos que constituíssem as malhas de ligação entre o Sul e o Norte da Europa, concentrando num único lugar a livre consulta de publicações fundamentais sobre esse contato cultural. Ele, então, escolheu um tema que pudesse amalgamar sua proposta de seguir o diálogo e as relações transalpinas, sem deixá-los dispersar-se no infinito.

Escolheu o tema da influência da Antiguidade, com o qual desenvolvia já à época seu trabalho de pesquisa. Corria o ano de 1902 e, numa conversa em família, Aby Warburg adquiriu, por parte de seu pai, com o apoio de seu irmão mais velho, Max, a quantia de 1.700 marcos para instalar sua biblioteca no edifício onde permanecera até 1933, em Hamburgo. Era o início da Biblioteca Warburg para a Ciência da Cultura, transformada depois em instituto de pesquisa. A biblioteca nascia, assim, como fruto de um problema histórico de alta relevância, e talvez ainda hoje não explorado a contento: o problema das transposições históricas do mundo mediterrânico em direção è Europa nórdica, um tema que seguia, no início do século XX, a contrapelo dos caminhos políticos da Europa à beira dos conflitos nacionais. Enquanto Warburg buscava os contatos culturais, as transposições, as circulações de modelos literários e imagéticos da Antiguidade aos tempos modernos, do Sul em direção ao Norte, venciam, na Europa das primeiras décadas do Novecentos, as ideias de identidades nacionais, baseadas na noção de fronteiras naturais na formações dos povos europeus.

With this process, it was possible to perceive the importance of Flemish art in the Medici environment, not only from the point of view of painting, but also from the point of view of tapestry. From Müntz's book, it was possible to conclude that the Flemish had conditioned the development of the first Italian collectionism, in particular, due to the realistic capacity of the oil painting developed in Flanders, but also due to the ease of circulation of fabrics, rugs and paintings. Flemings of small dimensions, a fact that predates the circulation of Nordic artists in Italy. In this way, the inventories of the Medici's collections confirmed the importance of the link between the task dictated by the collector and the content of a work. Warburg, then, dedicated himself to broadening and deepening the indications in this regard, present in Burckhardt's texts, with case studies between the years 1899 and 1907. The entire section of the book deals with this theme, reflecting, once again, Warburg's interest in understanding images as symbols of circulation, migration of men and ideas, his effort to complete the paths of connections, of encounters between different elements, his determination to understand the frontier as the very terrain of history.

Furthermore, he was enchanted by the fascination of the Tuscan refined world for the means of expressing the living, brought to light by Flemish art. For Warburg, this painting is an emblematic example of the spontaneous understanding shown by the Tuscan bourgeoisie towards Nordic art, the result of the mixture of human elements that are attracted by their opposite. The other section that demonstrates how perennial Burckhardt's influence on Warburg's work was is the one on the theme of “Antiquity and the present in the festive life of the Renaissance”. Burckhardt had titled part 5 of The Culture of the Renaissance in Italy “Sociability and the Festivities”, interweaving the artistic splendor in the cities of Renaissance Italy with the festivities in their highest formulation, as a superior movement of people's life, moment in the which their religious, moral and poetic ideals take visible form. Warburg, in turn, sought to conceive of human expression in the figurative work of art as an image of practical life in motion, both in the case of religious worship and in the case of cultural drama through festivity or the scenic stage.

The party was, therefore, not only the moment for the presentation of artistic expression, with all the apparatus that makes up the decorated architecture, but above all the stage for the staging of existence, almost a transition from life to art. Processions and festive reenactments were, for Warburg, occasions to contemplate social life, as well as to interpret the artistic apparatus of which they were composed. This apparatus, in its concreteness, revealed itself, then, as a document of the historical significance of classical antiquity for men in the 15th and 16th centuries in Italy, as well as in the Nordic world, also indicating the links between these two cultural universes. Exactly the search for dialogue between north and south of the Alps had moved Warburg to idealize his private library. His intention was to gather a collection of books and documents that constituted the link between Southern and Northern Europe, concentrating the free consultation of fundamental publications on this cultural contact in a single place. He then chose a theme that could amalgamate his proposal to follow the transalpine dialogue and relations, without letting them stray into infinity.

He chose the theme of the influence of Antiquity, with which he was already developing his research work at that time. The year was 1902 and, in a family conversation, Aby Warburg acquired, on the part of his father, with the support of his older brother Max, the sum of 1,700 marks to install his library in the building where he had stayed until 1933, in Hamburg. It was the beginning of the Warburg Library for the Science of Culture, later transformed into a research institute. The library was born, therefore, as the result of a highly relevant historical problem, and perhaps still not fully explored today: the problem of historical transpositions from the Mediterranean world towards Nordic Europe, a theme that followed, in the beginning of the 20th century, against Europe's political paths on the verge of national conflicts. While Warburg sought cultural contacts, transpositions, circulations of literary and imagery models from Antiquity to modern times, from the South to the North, in Europe in the first decades of the nineteenth century, ideas of national identities, based on the notion of natural frontiers in the formations of European peoples.

Assim, ao final da Primeira Guerra, Warburg sucumbiu a uma forte crise psiquiátrica e foi internado numa clínica na Suíça, onde permaneceu até 1923. No que se refere ao livro em questão, é importante salientar a intensificação dos estudos de Warburg em temas históricos que permitem um aprofundamento das inter--relações e transferências culturais entre o mundo mediterrânico e a Europa nórdica. As demais seções do livro apontam nessa direção, indo, nesse sentido, muito além da perspectiva de Burckhardt. Em primeiro lugar, Warburg aborda o tema da Antiguidade italiana na Alemanha a partir da obra de Dürer, estudando, em 1905, a circulação de gravuras provenientes do ambiente de Andrea Mantegna no âmbito do artista de Nüremberg. Interessa a Warburg compreender, além propriamente da transposição da arte italiana ao mundo germânico, também a face bifrontal da inf luência da doutrina clássica no Renascimento, tanto ao norte, quanto ao sul dos Alpes. Warburg queria demonstrar que a Antiguidade chegou a Dürer, por intermédio da Itália, na forma de estímulos dionisíacos, mas também com a sobriedade apolínea.

Em 1908, estudando desenhos, gravuras e calendários dos séculos XV e XVI, provenientes da Itália e do mundo germânico, Warburg aponta para o momento em que ocorre uma mudança estilística nessas imagens pela entrada em cena das influências da escultura clássica sobre as representações tardo-medievais de imagens de deuses oriundos da Antiguidade tardia. Há, portanto, para o estudioso de Hamburgo, uma refiguração de ilustrações medievais provocada pela redescoberta renascentista da arte da Antiguidade. Para isso, ele realizava também, no estudo de 1908, as primeiras incursões no tema da astrologia. De fato, Warburg dedica-se de modo sistemático aos estudos astrológicos a partir da leitura, realizada em 1907, do livro de Franz Boll (1867-1924). Filólogo clássico e professor na Universidade de Heidelberg, eminente especialista em história da astrologia, Franz Boll havia publicado, em 1903, Sphaera. Neue griechische Texte und untersuchungen zur geschichte der Sternbilder. Nesse livro, Boll, mediante fragmentos de textos e referências indiretas, conseguiu restituir um dos mais influentes tratados sobre o céu da Antiguidade Clássica, a Sphaera barbarica, do babilônico Teucro (séc. I a.C.).

Partindo, então, do tratado de Teucro, Franz Boll em preende uma reconstrução detalhada da migração da astrologia e da astronomia grega por meio de suas transmissões no Oriente e na Idade Média latina. O texto de Teucro mostrava já, por sua vez, a contaminação e o enriquecimento da sphaera clássica com novos asterismos orientais, ou seja, o catálogo das estrelas fixas de Arato (séc. III a.C.). Na época helenística, esse céu de poucas constelações foi preenchido com novas figuras provenientes da tradição egípcia, aramaica e babilônica. Esse catálogo de constelações, mescla de elementos gregos e orientais, teve grande fortuna e, no curso do tempo, foi enriquecido com ornamentos astrológicos indianos e persas. Portanto, o tema do livro de Franz Boll é a história da compilação de Teucro, e de suas migrações na Antiguidade e na Idade Média, entre diversas culturas no Oriente e no Ocidente.

Warburg, por seu turno, havia começado a estudar intensamente a história da mitografia e da astrologia, focalizando a descrição das divindades pagãs nos textos medievais e a continuidade do imaginário astrológico da antiguidade nos tempos modernos. O livro de Boll despertou-lhe o interesse pelo estudo dos textos astrológicos indianos, o que seria fundamental para sua interpretação da iconografia das pinturas do Palácio Schifanoia de Ferrara. Em 1909, imerso no estudo sobre astrologia, Warburg entra em contato epistolar com Franz Boll. Em 1912, Aby Warburg apresenta, no X Congresso Internazionale di Storia dell’Arte di Roma, uma conferência em que decifra os afrescos do Palácio Schifanoia a partir da história da tradição astrológica. A conferência de 1912 representaria também o momento de apresentação para um público internacional de sua metodologia histórico-artística, onde a abordagem iconológica figurava em gênese. Na conferência, que na edição brasileira apresenta o título “A arte italiana e a astrologia internacional no Palazzo Schifanoia de Ferrara”, Aby Warburg encontrava nos afrescos a confirmação de sua hipótese de trabalho, qual seja, a transmissão ao Renascimento italiano de uma tradição iconográfica grega antiga, através da mediação indiana e árabe.

Era essa uma forma de sobrevivência dos deuses pagãos que passava por um grande percurso migratório até tocar o território da Península Itálica, marcando a importância da tradição antiga para a formação da Europa moderna. Com a conferência de 1912, Warburg observava o quanto o classicismo grego estava perpassado por elementos orientais, oriundos do Egito, da Pérsia, da Mesopotâmia. Portanto, sua noção de “antigo” tinha uma forte dose do primitivismo a minar o equilíbrio olímpico das divindades gregas. Paralelamente, sua noção de Renascimento ampliava-se ainda mais, ultrapassando em muito as relações entre arte nórdica e primeiro Renascimento na Itália, que até 1907 tinha dado um sentido a seus estudos histórico-artísticos. Com a conferência de 1912, Warburg distanciava-se de Burckhardt, tanto na concepção da Antiguidade grega, quanto na noção de Renascimento. Com o estudo sobre os afrescos astrológicos do Palácio Schifanoia de Ferrara, o Renascimento de Warburg absorve o vasto universo das interpretações árabes e indianas do mundo grego antigo, compreendendo, assim, um caminho migratório muito amplo a conectar o Renascimento italiano à Antiguidade grega.

O texto de 1912 é, então, emblemático na obra de Warburg por indicar um rompimento com todas as fronteiras que os estudiosos da arte e da cultura do Renascimento tinham até então estabelecido, dando um caráter internacionalista a sua interpretação. Nem mesmo as históricas fronteiras entre Ocidente e Oriente permaneceriam de pé depois de seu estudo apresentado em Roma. É curioso que essa abordagem tenha permanecido fora do centro nefrálgico dos estudos histórico-artísticos durante o século XX. Assim, o livro canônico de Warburg, agora editado em língua portuguesa, cumpria em parte a tarefa de apresentar às gerações futuras o autor formado em ambientes intelectuais que, no final do Oitocentos, comunicavam a história social da arte com a história da cultura, a história das religiões e a nascente antropologia. Um autor que, de fato, jamais teve a intenção de dar vida a uma disciplina específica, mas, ao contrário, percorreu, movendo-se por resultados que a psicologia, a antropologia, a linguística da época lhe ofereciam, a evolução dos mecanismos fundamentais da expressão humana, que tinham conduzido determinadas culturas do antropomorfismo ao pensamento simbólico. Warburg, na verdade, procura demonstrar que o comportamento humano é sempre mediado pelo uso de símbolos. Com base nisso, sua busca não foi a de mover os símbolos para captar uma presumível verdade histórica neles submersa.

Thus, at the end of World War I, Warburg succumbed to a severe psychiatric crisis and was admitted to a clinic in Switzerland, where he remained until 1923. With regard to the book in question, it is important to highlight the intensification of Warburg's studies on historical themes that they allow for a deepening of the cultural interrelations and transfers between the Mediterranean world and Nordic Europe. The remaining sections of the book point in that direction, going, in that sense, far beyond Burckhardt's perspective. First, Warburg approaches the theme of Italian antiquity in Germany from the work of Dürer, studying, in 1905, the circulation of engravings from Andrea Mantegna's environment within the scope of the artist from Nuremberg. Warburg is interested in understanding, in addition to the transposition of Italian art to the Germanic world, also the two-faceted face of the influence of classical doctrine in the Renaissance, both north and south of the Alps. Warburg wanted to demonstrate that antiquity came to Dürer, through Italy, in the form of Dionysian stimuli, but also with Apollonian sobriety.

In 1908, studying 15th and 16th century drawings, engravings and calendars from Italy and the Germanic world, Warburg points to the moment when a stylistic change occurs in these images due to the entry into the scene of the influences of classical sculpture on late representations. medieval images of gods from late antiquity. There is, therefore, for the Hamburg scholar, a refiguration of medieval illustrations brought about by the Renaissance rediscovery of antiquity art. For this, he also carried out, in the 1908 study, the first incursions into the subject of astrology. In fact, Warburg systematically devoted himself to astrological studies from the reading, carried out in 1907, of the book by Franz Boll (1867-1924). A classic philologist and professor at the University of Heidelberg, an eminent specialist in the history of astrology, Franz Boll had published, in 1903, Sphaera. Neue griechische Texte und untersuchungen zur geschichte der Sternbilder. In this book, Boll, through fragments of texts and indirect references, managed to restore one of the most influential treatises on the sky of Classical Antiquity, the Sphaera barbarica, from the Babylonian Teucro (1st century BC).

Therefore, starting from the treatise of Teucro, Franz Boll undertakes a detailed reconstruction of the migration of astrology and Greek astronomy through its transmissions in the Orient and the Latin Middle Ages. Teucro's text already showed, in turn, the contamination and enrichment of the classical sphaera with new oriental asterisms, that is, the catalog of fixed stars by Aratus (3rd century BC). In Hellenistic times, this sky of few constellations was filled with new figures from the Egyptian, Aramaic and Babylonian tradition. This catalog of constellations, a mixture of Greek and Oriental elements, had a great fortune and, in the course of time, was enriched with Indian and Persian astrological ornaments. Therefore, the theme of Franz Boll's book is the history of Teucro's compilation, and of his migrations in Antiquity and the Middle Ages, between different cultures in East and West.

Warburg, in turn, had begun to intensively study the history of mythography and astrology, focusing on the description of pagan deities in medieval texts and the continuity of astrological imagery from antiquity into modern times. Boll's book awakened his interest in the study of Indian astrological texts, which would be fundamental for his interpretation of the iconography of the paintings at the Schifanoia Palace in Ferrara. In 1909, immersed in the study of astrology, Warburg came into epistolary contact with Franz Boll. In 1912, Aby Warburg presented, at the 10th Congress Internazionale di Storia dell'Arte di Roma, a conference in which he deciphered the frescoes of the Schifanoia Palace from the history of astrological tradition. The 1912 conference would also represent the moment of presentation to an international audience of its historical-artistic methodology, where the iconological approach figured in its genesis. At the conference, entitled “Italian art and international astrology at Palazzo Schifanoia de Ferrara” in the Brazilian edition, Aby Warburg found in the frescoes the confirmation of his working hypothesis, namely, the transmission to the Italian Renaissance of an iconographic tradition ancient Greek through Indian and Arabic mediation.

This was a way of survival for the pagan gods that went through a great migratory route until it reached the territory of the Italian Peninsula, marking the importance of the ancient tradition for the formation of modern Europe. With the 1912 conference, Warburg observed how Greek classicism was permeated by oriental elements, from Egypt, Persia, Mesopotamia. Therefore, his notion of “ancient” had a strong dose of primitivism undermining the Olympic balance of the Greek deities. At the same time, his notion of the Renaissance expanded even more, going far beyond the relationship between Nordic art and the first Renaissance in Italy, which until 1907 had given meaning to his historical-artistic studies. With the 1912 conference, Warburg distanced himself from Burckhardt, both in the conception of Greek Antiquity and in the notion of the Renaissance. With the study of astrological frescoes in the Schifanoia Palace in Ferrara, the Warburg Renaissance absorbs the vast universe of Arab and Indian interpretations of the ancient Greek world, thus comprising a very broad migratory path connecting the Italian Renaissance to Greek Antiquity.

The 1912 text is, then, emblematic in Warburg's work for indicating a break with all the frontiers that scholars of Renaissance art and culture had established until then, giving an internationalist character to its interpretation. Not even the historic borders between West and East would remain standing after his study presented in Rome. It is curious that this approach has remained outside the heart of historical-artistic studies during the 20th century. Thus, Warburg's canonical book, now published in Portuguese, partially fulfilled the task of introducing future generations to the author trained in intellectual environments that, in the late 1800s, communicated the social history of art with the history of culture, the history of religions and the rising anthropology. An author who, in fact, never intended to give life to a specific discipline, but, on the contrary, walked through the results that psychology, anthropology, linguistics of the time offered him, the evolution of the fundamental mechanisms of human expression, which had led certain cultures from anthropomorphism to symbolic thought. Warburg, in fact, seeks to demonstrate that human behavior is always mediated through the use of symbols. Based on this, his quest was not to move the symbols to capture an assumed historical truth submerged in them.

Ao contrário, o movimento intelectual presente na obra de Warburg consiste em interrogar os símbolos sobre o que eles comunicam, localizando sua indagação no intervalo entre o páthos e o símbolo propriamente. Assim, Aby Warburg concentrou-se no intervalo pré-linguístico da experiência humana, situado entre a comoção causada pelos fundamentais sentimentos do homem, tais como a dor, a morte, o amor, e o impulso de representá-los com imagens, transformando-os em símbolos. Desse modo, seu estudo direcionou-se ao mundo das formas simbólicas (então o mito, a arte, a linguagem, a ciência), como as tinha definido seu amigo e colaborador dos anos finais em Hamburgo, Ernst Cassirer, autor do livro dedicado a Warburg, A filosofia das formas simbólicas. No livro, Cassirer compreende as formas simbólicas não como imitações do real, e sim como órgãos da realidade, ou seja, como modo de converter o real em objeto de captação intelectual, tornando-o visível para nós. Porém, a fase de maior colaboração intelectual entre os dois infelizmente não ficara registrado em A renovação da Antiguidade pagã. Exatamente a fase final de seu trabalho, após a recuperação da crise psicológica e o retorno, em 1923, às atividades na biblioteca de Hamburgo. Cassirer tinha chegado à cidade, para ensinar na recém-fundada universidade, em 1920, ao lado de Erwin Panofsky e do jovem Edgar Wind, este último estudante de doutorado.

Essa fase da atividade de Warburg diz respeito a sua conferência sobre “O ritual da serpente”, ao projeto inacabado do “Atlas Mnemosyne”, à conferência autobiográfica “De arsenal a laboratório”, ao texto sobre Burckhardt e Nietzsche, aos cursos ministrados como convidado na Universidade de Hamburgo sobre Burckhardt e sobre “O método da ciência da cultura”. Também esteve fora do livro de 1932, traduzido no Brasil em 2013, uma série de textos de Warburg anteriores ao internamento na Suíça. A maior parte desse volumoso corpus permanece inédita em português, e, na verdade, só se tornou pública no início dos anos 2000, sobretudo na Itália e na Alemanha. Vale citar aqui o fundamental trabalho a partir dos manuscritos realizado pelo estudioso italiano, Maurizio Ghelardi, que traduziu diretamente ao italiano e publicou em dois volumes, em 2004 e 2008, as Opere de Aby Warburg. O trabalho de Maurizio Ghelardi traz ainda o mérito de editar a inédita correspondência entre Warburg e Cassirer, além da publicação em conjunto na Alemanha (traduzida na França) dos últimos escritos de Warburg, de algumas de suas cartas e da introdução ao Atlas Mnemosyne.

Ghelardi é responsável, ainda, pela edição italiana dos estudos de Warburg sobre os índios pueblos do Novo México, bem como do próprio Atlas Mnemosyne. Este último, organizado a partir da edição alemã, que, sob os cuidados de Martin Warnke, é uma nova seleção dos escritos do estudioso de Hamburgo. É importante citar, ainda, a edição alemã de 2010, que mescla textos presentes no livro de 1932 com outros até então inéditos em alemão. Não citaremos aqui as edições de comentadores da obra de Warburg, surgidas sobretudo desde os anos 2000, trazendo importantes releituras de sua produção. Tudo isso decerto não tira o mérito da edição recentemente traduzida no Brasil. Porém, revela a importância da obra de Warburg para o estudo das imagens, seja no âmbito da história da arte e da cultura, seja no campo da pesquisa antropológica ou da teoria da imagem.


Extraído de FERNANDES, Cássio. Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 15, n. 28, p. 338-346, jan./jun. 2014 | www.revistatopoi.org

On the contrary, the intellectual movement present in Warburg's work consists in questioning the symbols about what they communicate, locating his inquiry in the interval between the pathos and the symbol itself. Thus, Aby Warburg focused on the pre-linguistic interval of human experience, situated between the commotion caused by man's fundamental feelings, such as pain, death, love, and the impulse to represent them with images, transforming them. those into symbols. Thus, his study focused on the world of symbolic forms (then myth, art, language, science), as his friend and collaborator in the final years in Hamburg, Ernst Cassirer, author of the book dedicated to, had defined them. Warburg, The Philosophy of Symbolic Forms. In the book, Cassirer understands symbolic forms not as imitations of reality, but as organs of reality, that is, as a way of converting reality into an object of intellectual capture, making it visible to us. However, the phase of greater intellectual collaboration between the two was unfortunately not recorded in The Renewal of Pagan Antiquity. Exactly the final phase of his work, after recovering from the psychological crisis and returning, in 1923, to activities in the Hamburg library. Cassirer had come to town to teach at the newly founded university in 1920, alongside Erwin Panofsky and young Edgar Wind, the latter doctoral student.

This phase of Warburg's activity concerns his lecture on “The Serpent Ritual”, the unfinished project of the “Atlas Mnemosyne”, the autobiographical lecture “From arsenal to laboratory”, the text on Burckhardt and Nietzsche, the courses given as a guest at the University of Hamburg on Burckhardt and on “The method of the science of culture”. Also included in the 1932 book, translated in Brazil in 2013, was a series of texts by Warburg prior to his hospitalization in Switzerland. Most of this voluminous corpus remains unpublished in Portuguese, and, in fact, it only became public in the early 2000s, especially in Italy and Germany. It is worth mentioning here the fundamental work from manuscripts carried out by the Italian scholar, Maurizio Ghelardi, who translated directly into Italian and published in two volumes, in 2004 and 2008, the Opere by Aby Warburg. Maurizio Ghelardi's work also brings the merit of editing the unprecedented correspondence between Warburg and Cassirer, in addition to the joint publication in Germany (translated in France) of Warburg's last writings, some of his letters and the introduction to the Atlas Mnemosyne.

Ghelardi is also responsible for the Italian edition of Warburg's studies on the Pueblos Indians of New Mexico, as well as the Atlas Mnemosyne itself. The latter, organized from the German edition, which, under the care of Martin Warnke, is a new selection of the writings of the Hamburg scholar. It is also important to mention the 2010 German edition, which merges texts from the 1932 book with others previously unpublished in German. We will not cite here the editions of commentators on Warburg's work, which emerged mainly since the 2000s, bringing important reinterpretations of his production. All of this certainly does not take away the merit of the edition recently translated in Brazil. However, it reveals the importance of Warburg's work for the study of images, whether in the context of art and cultural history, or in the field of anthropological research or image theory.


Extracted from FERNANDES, Cassio. Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 15, no. 28, p. 338-346, Jan./Jun. 2014 | www.revistatopoi.org

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Coleções Instituto Warburg | Warburg Institute Collections:

Projeto digitalização / pesquisa das versões do Atlas: Primeira versão | Março a maio de 1928; Penúltima versão | Agosto / setembro de 1928; Versão final | Outubro de 1929. Líder de pesquisa: Claudia Wedepohl. Chefe do projeto Cornell: Christopher Johnson. Concepção do projeto: Andrew Hewish.

Project Scanning / Search for Atlas Versions: First Version | March to May 1928; Penultimate version | August/September 1928; Final version | October 1929. Research leader: Claudia Wedepohl. Cornell Project Leader: Christopher Johnson. Project design: Andrew Hewish.

https://warburg.sas.ac.uk/library-collections/warburg-institute-archive/online-bilderatlas-mnemosyne.


Warburg Institute home page:

https://warburg.sas.ac.uk/


Warburg Institute Library:

https://catalogue.libraries.london.ac.uk/search~S12


The Iconographic Database:

https://iconographic.warburg.sas.ac.uk/vpc/VPC_search/main_page.php


Christopher D. Johnson – Universidade de Cornell:

Dez painéis do Atlas Mnemosyne: apresenta dez painéis fotografados, selecionados para exemplificar o conteúdo cosmográfico e histórico-artístico do Atlas Mnemosyne. Embora ofereça apenas fragmentos de um fragmento, é projetado para mostrar alguns dos Wanderstrassen que Warburg perseguiu no Atlas. O Warburg Institute forneceu digitalizações novas e melhores fotografias que sobreviveram. Além disso, a capacidade de aumentar e diminuir o zoom nos painéis e nas imagens individuais permite uma inspeção mais detalhada dos aspectos materiais do Atlas. Alternativamente, se você clicar em imagens individuais, uma janela com informações de identificação aparecerá; frequentemente links para outras iterações e permutações na mesma imagem também são fornecidos. Por fim, na guia “Painéis guiados”, o usuário encontrará interpretações de painéis individuais feitos por mim e por outros acadêmicos. Esses meandros, é claro, pretendem ser, na melhor das hipóteses, exemplares, mas nunca exaustivos.

Ten panels of the Atlas Mnemosyne: presents ten photographed panels, selected to exemplify the cosmographic and artistic-historical content of the Atlas Mnemosyne. Although it only offers fragments of a fragment, it is designed to show some of the Wanderstrassen Warburg chased in the Atlas. The Warburg Institute provided new scans and better photographs that have survived. In addition, the ability to zoom in and out on panels and individual images allows for a more detailed inspection of the material aspects of the Atlas. Alternatively, if you click on individual images, a window with identifying information will appear; often links to other iterations and permutations on the same image are also provided. Finally, under the “Guided Panels” tab, the user will find interpretations of individual panels made by me and other academics. These meanders, of course, are intended to be exemplary at best, but never exhaustive.

https://warburg.library.cornell.edu/


Exposições Atlas | Atlas Exhibitions:

https://warburg.sas.ac.uk/whats-on/mnemosyne-exhibition

https://www.hkw.de/en/programm/projekte/2020/aby_warburg/bilderatlas_mnemosyne_start.php


Warburg Banco Comparativo de Imagens | Warburg Comparative Image Bank

Projeto coordenado por Jorge Coli – UNICAMP: “Warburg – banco comparativo de imagens” é um instrumento de busca destinado a associar relações entre formas que se repetem de uma imagem à outra, sem hierarquia nem temporal, nem de natureza. Esse procedimento pressupõe um modelo – ou fórmula – gerais, ou abstratos, que preside à tais relações e nos quais as imagens afins se encontram. Seja a expressividade corporal, seja a organização visível do espaço ou da superfície, seja a ordem cromática encontrada, as associações são escolhidas de modo a estabelecer esse encontro das obras entre si.

Project coordinated by Jorge Coli – UNICAMP: “Warburg – Comparative Image Bank” is a search tool designed to associate relationships between shapes that are repeated from one image to another, without hierarchy or temporal or nature. This procedure presupposes a general or abstract model – or formula – that presides over such relationships and in which related images are found. Be it the bodily expressiveness, be it the visible organization of space or surface, be it the chromatic order found, the associations are chosen in order to establish this meeting of the works with each other.

http://warburg.chaa-unicamp.com.br/Acesso: https://warburg.library.cornell.edu/


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