Blog 

Warburg e Renascimentos

Aby Warburg e o labirinto do pensamento

Para inaugurar esta série de ensaios, como parte das iniciativas do grupo Warburg & Renascimentos, uma das perguntas mais fundamentais talvez seja: por que Aby Warburg?

Logo que esse problema é abordado, emergem as múltiplas faces de um projeto intelectual, que se materializa tanto na Biblioteca Warburg para Ciência da Cultura quanto em trabalhos audaciosos, como o Atlas Mnemosyne. Entretanto, ainda que a riqueza desse legado se revele de modo tão evidente, a natureza peculiar da atividade de Warburg como acadêmico reflete um paradoxo: ele, um ícone da história da arte, estava longe de ser um mestre da escrita.

Para contemporâneos como Fritz Saxl, Warburg parecia um investigador preso em um labirinto do pensamento:

 

Muitas vezes vimos Warburg cansado e preocupado, curvado sobre seus fichários, com um pacote de fichas na mão, buscando encontrar para cada uma a colocação melhor; parecia-nos desperdício de energia e desagradava-nos (Saxl, 2018, p. 239).

 

Aos que se aventuram no estudo do espólio de Warburg, é inevitável deparar-se, em algum momento, com a impressão registrada por Gombrich: “Warburg, ao que parece, nunca jogou fora um pedaço de papel. Escrevia com grande dificuldade e nunca parava de escrever” (Gombrich, 1986, p. 3). Uma observação que se concatena com a afirmação de Edgar Wind: “Sem dúvidas, há algo de uma peculiar obsessão no hábito excessivamente extravagante de Warburg de conservar seus rascunhos e anotações já ultrapassados” (Wind, 2018, p. 284). Warburg era um pensador que estruturava suas reflexões por meio de fragmentos, encontrando no método do fichamento sua principal ferramenta. De fato, sua obra é notoriamente complexa, marcada por uma profundidade que expõe qualquer estudioso ao risco de se perder em um verdadeiro labirinto – como bem intuiu Ernst Cassirer (Cassirer, 2003, p. 126).

Como, então, compreender a relevância e o protagonismo de um autor cuja trajetória se caracteriza por uma produção modesta e fragmentária, descrito como inseguro e como um formulador de projetos ambiciosos que frequentemente excediam suas próprias capacidades? (Hönes, 2024, pp. 64, 94, 103)

A aparente dificuldade contida nessa pergunta desaparece assim que se avalia o legado de Warburg sem a expectativa da rigorosa sistematicidade conceitual ou da proposição de uma teoria coesa e definitiva. Talvez a principal razão pela qual sua obra permanece tão fascinante e provocativa seja justamente o fato de ele nunca ter chegado a um método estritamente delimitado, como Panofsky. Não seria, portanto, um erro interpretar que o labirinto do pensamento que o impediu de concluir a síntese de sua obra é o mesmo que a salvaguardou do ostracismo: a ausência de conclusões definitivas, a abertura de novos horizontes interpretativos e a constante ênfase em novos problemas.

Com seus projetos inacabados, aforismos e fragmentos, Warburg legou à posteridade uma produção intelectual inconclusa, mas repleta de poderosos insights que poderiam “muito bem apresentar a pedra fundamental para uma nova visão de mundo” (Warburg, 2021, p. 596).

 


Dr. Serzenando A. Vieira Neto

Pesquisador de Pós-Doutorado

UNIFESP/FAPESP – Processo 22/16114-4

15 de janeiro de 2025

 


SAXL, Fritz. A história da Biblioteca Warburg. In: WARBURG, Aby. A presença do Antigo. Campinas: Ed. Unicamp, 2018.

GOMBRICH, Ernst H. Aby Warburg. 2. ed. Oxford: Phaidon, 1986.

WIND, Edgar. Sobre uma recente biografia de Warburg. In: WARBURG, Aby. A presença do Antigo. Campinas: Ed. Unicamp, 2018.

CASSIRER, Toni. Mein Leben mit Ernst Cassirer. Hamburg: Felix Meiner, 2003.

HÖNES, Hans. Tangled Paths. London: Reaktion Books, 2024.

Carta de Aby Warburg a Max Warburg de 16 de abril de 1924. Cf. WARBURG, Aby. Briefe, Berlin/Boston: De Gruyter, 2021, vol. 1, p. 596.